Ele chegou ali, naquele lugar horrível, obscuro, triste. Ele estava no
cemitério com aquelas pessoas vestidas de preto chorando e rezando. A mãe da
moça que estava velada parecia desesperada e seu marido tentava acalmá-la. O
padre terminou as preces e o caixão foi enterrado. O homem esperou todos irem
embora e nem sequer percebeu que havia uma mulher ali. Ela questionou:
-O que você era dela?
-Um ex-namorado.
-Bruno?
-Sim. Como sabe?
-Fui a médica dela. Fui eu quem a operou. Nos últimos três dias
ela falou de você.
O homem começou a chorar. Respirou fundo e perguntou:
-Do quê ela morreu?
-Ela usou da pouca força que tinha para tirar o soro e o respiradouro.
-Ninguém me contou isso. Que droga, nem tempo tive de ir vê-la.
-Engraçado isso. Ela viu você com outra, vocês brigaram. Ela saiu
correndo e foi atropelada. Onde você estava? As pessoas a socorreram e ela foi
levada ao hospital. Eu operei-a e ela ficou bem. Onde você estava? Ela tirou a
própria vida e foi enterrada hoje. Você está aqui.
-Eu não podia ir vê-la.
-É claro que não. Um homem casado com filhos sempre está ocupado,
não é mesmo? O senhor é um homem ocupado, mas tinha suas horas livres para se
divertir com a amante que nem sequer sabia que era sua amante.
-Ela te contou tudo isso?
-Contou. Eu perguntei a ela: "Vitória, você sabe o que vai
fazer quando sair daqui?" Ela respondeu: "Não sei o que vou fazer,
mas sei aonde vou." Agora todos sabem onde ela está.
-Eu amei ela.
-Claro. O corpo dela era tão lindo. Ela tinha uma maturidade fora
do comum, mas sem perder a sua juventude. Uma garota tão sonhadora... É claro
que ela se encantaria por palavras bonitas.
-Tudo bem, você venceu. Eu fui um homem ruim, mas estou arrependido.
-Que ótimo! Agora, por favor, use o seu arrependimento para trazê-la
de volta.
A médica virou as costas e se foi. O homem voltou pra casa e logo a
esposa disse:
-Amor, achei sua aliança, estava no fundo da gaveta do banheiro,
acredita? Como foi parar lá?
-Eu devo ter tirado para tomar banho ou lavar as mãos e coloquei
lá pra não perder. Desculpe querida... Eu te amo.
De algum lugar, Vitória pensava: "Sim, você esqueceu na gaveta.
Quando tirou a aliança, tirou o caráter e quando esqueceu ela na gaveta, esqueceu-se
de mim e da sua família”.